domingo, 14 de junho de 2015

Os Liberalismos (Existe um pensamento político brasileiro?) – Raymundo Faoro

Fernando Duarte

            O sul rio-grandense Raymundo Faoro, autor da famosa obra Os donos do poder (1958), escreveu também um livro chamado Existe um pensamento político brasileiro? (1994), ao qual nos remeteremos ao capítulo V intitulado “Os liberalismos”.
            No capítulo mencionado, o autor relata as visões e práticas liberais e do liberalismo em Portugal e no Brasil levando em consideração suas origens em autores como Adam Smith, John Locke, Montesquieu e Jean-Jacques Rousseau que influenciaram todo o mundo e os políticos da Metrópole e da Colônia portuguesa na América.
            A princípio, precisamos observar que o autor utiliza do recurso pluralístico para indicar que ao tratar do pensamento liberal, temos que levar em consideração que ele é e foi plural, portanto, ao falar de liberalismo, precisamos falar de liberalismos (no plural), o que resulta em diversas perspectivas e possibilidades de práticas que muitas vezes parecerão contraditórias.
            Levando em consideração o vasto conhecimento histórico do Brasil relatado no livro Os donos do poder, em Existe um pensamento político brasileiro? o autor pincela elementos históricos de um Brasil colônia e as lutas que se travaram até a Independência, nomeação de Dom Pedro I como primeiro imperador do Brasil e protetor da pátria e a Regência após a abdicação de D. Pedro I em 7 de abril de 1831.
            Em meio às pinceladas históricas, vai relatando também como os liberais da colônia, da metrópole e do império foram se mostrando em prática e em teoria, observando também que de antemão podemos relacionar dois liberalismos no Brasil, um conservador, também identificado como suave, ligado à ideia de conservação de um Império com uma Monarquia Constitucional onde a família Bragança na figura de Pedro de Alcântara Francisco de Bragança e Bourbon quarto filho, e segundo varão, de Dom João VI e Carlota Joaquina seria nomeado imperador e protetor do Brasil, e um liberalismo radical, este mais próximo às ideias republicanas de uma Revolução Francesa de Maximilien de Robespierre e um federalismo estadunidense de Thomas Jefferson, que encontrava forte adesão popular, como se viu na Conjuração Baiana (1798), citada por Faoro na página 62.
            Os embates que se deram entre essas duas visões muitas vezes deram-se no campo das ideias, nas assembleias e nas Cortes em Portugal, mas também puderam ser vistas nas ruas em revoltas populares, levantes e perseguições políticas que levaram à morte e ao exílio de muitos como o médico baiano Cipriano José Barata de Almeida.
            O santista José Bonifácio de Andrada e Silva, o articulador da independência do Brasil, era um estadista grande expoente do liberalismo conservador, defensor de uma unidade nacional centralizada na figura do Imperador Dom Pedro I, tornou-se um vitorioso diante dos oposicionistas sendo inclusive nomeado tutor de Dom Pedro II após a abdicação ao trono por Pedro I em 7 de abril de 1831 e sua ida à Portugal que vivia em crise com um golpe dado por seu irmão Dom Miguel.
            Faoro vai nos deixando elementos para pensarmos sobre as especificidades do liberalismo brasileiro, que mais que o ideal proposto pelos diversos influenciadores teóricos como Smith, Locke e Montesquieu, foi uma adequação à realidade brasileira, encerrando o capítulo escrevendo:

A ossificação do modelo liberal, o absolutismo mascarado de D. João VI e de D. Pedro I, pela voz de seus intérpretes, soldado ao liberalismo restaurador, desclassificou todas as concepções liberais autenticamente liberais. O constitucionalismo, que se apresentou como o sinônimo do liberalismo, seguiu rumo específico, particularmente na Carta outorgada de 1824. O ciclo se fecha: o absolutismo reformista assume, com o rótulo, o liberalismo vigente, oficial, o qual, em nome do liberalismo, desqualificou os liberais. Os liberais do ciclo emancipador foram banidos da história das liberdades, qualificados de exaltados, de extremados (...) ‘os radicais foram expulsos da história do pensamento político’. Seu liberalismo foi afastado, mas não superado, nem ultrapassou o estágio de consciência possível. (FAORO, 1994, pp. 82-83)


            Dando a entender assim que o liberalismo conservador, visto então nem mais como liberalismo real, mas travestido, sendo realmente um absolutismo brando, um absolutismo com liberdade ao povo, mas não com “poder do povo”, foi o grande vencedor da história como consciência real e prática nacional, e o liberalismo radical, emancipador, muitas vezes separatista e republicano ficou esquecido e relegado à alcunha de radicalidade e caótico, porém ainda em ideia de consciência possível que pode ser retomada quando necessária.

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