domingo, 14 de junho de 2015

CONTEXTO HISTÓRICO E SOCIAL DE MACHADO DE ASSIS E DO CONTO PAI CONTRA MÃE

Fernando Duarte

Machado de Assis nasceu na cidade do Rio de Janeiro em 21 de junho de 1839 durante a Regência Una de Araújo Lima e há um ano do “Golpe da Maioridade” que deu a Dom Pedro II, a 23 de julho de 1840 com 14 anos, a condição de ser coroado imperador do Brasil e começando assim o Segundo Reinado que durou até 15 de novembro de 1889, nove anos antes da morte do escritor mulato aqui apresentado.
Na região central do Rio de Janeiro, no Morro do Livramento, nasceu pobre e mulato, filho de Francisco José Machado de Assis, um pintor de paredes que era filho de escravos alforriados, e de Maria Leopoldina da Câmara Machado, lavadeira portuguesa, ele e sua única irmã, que se separariam devido à alta mortalidade infantil da época que a levou aos quatro anos em 1845, ano da rendição dos farroupilhas.
Durante o Período Regencial (1831 – 1840), várias revoltas, levantes e motins aconteciam e começavam no país, tais como, a Cabanagem no Pará (1834 – 1840), a Revolução Farroupilha (1835 – 1845) no Rio Grande do Sul e Santa Catarina, a Sabinada (1837 – 1838) na Bahia e a Balaiada (1838 – 1841) no Maranhão, levando o jovem recente imperador em 1840 a criar diversas leis voltadas para a ordem e fazendo bom uso do Poder Moderador para conciliar liberais, conservadores e acalmar e punir revoltosos.
Também é no Segundo Império que começam as concessões às pressões antiescravagistas da Grã-Bretanha, primeiro em 1850, onde a principal medida do governo brasileiro foi assinar a Lei Eusébio de Queirós, lei que tornava ilegal o tráfico de escravos no oceano atlântico, o que fez diminuir a entrada de escravos no país trazidos do continente africano, mas aumentando as vendas ilegais em portos não oficiais e o tráfico interno entre as províncias.
Em 1871 tivemos no Brasil outra importante lei antiescravagista, a Lei Rio Branco, também conhecida como Lei do Ventre Livre, depois de 21 anos sem qualquer medida governamental em relação ao fim da escravidão, a partir da assinatura da lei, os filhos nascidos de escravas tornariam-se livres após os 21 anos de idade, ou os senhores da escrava mãe tinham a opção de entregar o seu filho ao governo e dele receberiam uma indenização como o disposto na lei:

§1.º da lei 2040:- Os ditos filhos menores ficarão em poder e sob a autoridade dos senhores de suas mães, os quais terão a obrigação de criá-los e tratá-los até a idade de oito anos completos. Chegando o filho da escrava a esta idade, o senhor da mãe terá opção, ou de receber do Estado a indenização de 600$000, ou de utilizar-se dos serviços do menor até a idade de 21 anos completos. No primeiro caso, o Governo receberá o menor e lhe dará destino, em conformidade da presente lei.

E em 1888, a um ano da Proclamação da República, tivemos enfim a Lei Áurea, assinada pela “amada” “carola”[1] princesa Isabel em regência devido a uma das viagens de seu pai, o Imperador, à Europa. A lei abolia definitivamente a escravidão no Brasil, sendo então, por fim, abolida a escravidão nas Américas.
O jovem Machado de Assis, dado aos livros e aos cargos públicos no Brasil imperial, trabalhou em vários folhetins e jornais independentes e famosos na época como o Diário do Rio de Janeiro, e fundou uma sociedade artística e literária chamada Arcádia Fluminense. Ele não passou despercebido pelo imperador e nem a sociedade passou despercebida por ele.
O conto Pai contra Mãe, faz parte da coletânea de contos da chamada Segunda Fase machadiana, a fase irônica e realista, lançada no livro Relíquias da Casa Velha em 1906, ano do fim do mandato do 5º presidente da República brasileira, o paulista Rodrigues Alves. No conto, o autor, traça um panorama da sociedade imperial brasileira, soltando características que bem conhecemos, dentre as mais importantes, o gosto pela aventura dos indivíduos (confirmada por Sérgio Buarque de Holanda em seu Raízes do Brasil), a forte religiosidade e a escravidão como uma instituição seguradora da sociedade.
Machado de Assis inicia o conto nos falando dos instrumentos e ferramentas usadas para manter a “ordem social e humana”, tais como o “ferro ao pescoço”, o “ferro ao pé” e a máscara de “folha-de-flandres” e escreve: “Era grotesca tal máscara, mas a ordem social e humana nem sempre se alcança sem o grotesco, e alguma vez o cruel.”, demonstrando assim sua característica de crítico e irônico à sociedade imperial. Mais à frente, no mesmo parágrafo, ele nos indica que talvez nem fossem os instrumentos citados vistos como algo grotesco pela sociedade, pois “os funileiros as tinham penduradas, à venda, na porta das lojas” como se fosse algo muito corriqueiro, comum e bem aceito.
Vemos também no conto indícios de subemprego, devoção a Deus e a Nossa Senhora, crise financeira dos indivíduos e a ainda famosa “Roda dos Enjeitados” que para a tia de Clara era um ótimo equipamento para os tempos difíceis da família, pois é melhor “rejeitar” um filho dando-lhe à uma casa de acolhimento como as Santas Casas na época para poder comer e viver, que deixa-lo viver na miséria e morrer à mingua.
No artigo A Casa da Roda dos Expostos na cidade do Rio Grande (2006), Luiz Henrique Torres escreve que a Roda dos Enjeitados foi criada pela primeira vez no Brasil em Salvador no ano de 1726 e posteriormente também no Rio de Janeiro, cidade em que se passa o conto de Machado, em 1738, além de importante trecho a ressaltar em suas palavras:

Entre os séculos XVII e XIX, a sociedade ocidental católica desenvolveu uma forma de assistência infantil chamada Casa da Roda dos Expostos, que deveria garantir a sobrevivência do enjeitado e preservar oculta a identidade da pessoa que abandonasse ou encontrasse abandonado um bebê.
Após ser recolhida pela porteira (...) e identificado o seu estado de saúde e nutrição, a criança era encaminhada a uma ama-de-leite e depois a uma ama-seca ou de criação (...) que cuidava do menino ou menina até os sete anos de idade. A criação também poderia ser feita por pessoas que enviavam um requerimento à Santa Casa manifestando desejo de criar os enjeitados, devendo informar regularmente sobre as condições de saúde da criança à administração da instituição. Para isso recebiam um pagamento mensal para custear a criação da criança, até os oito anos de idade para meninas ou sete anos para meninos. Nessa idade, a criança deveria ser devolvida à Casa da Roda. Não ocorrendo a devolução, a criança ficaria sob responsabilidade da mãe criadeira até a idade de 12 anos sem receber pagamento da Santa Casa. Após os doze anos a responsabilidade passava ao Juiz de Órfãos. Para a manutenção dos pagamentos das crianças mantidas nas Casas da Roda, a Santa Casa utilizava recursos próprios, de doações de particulares, do governo, das câmaras municipais e dos rendimentos dos bens dos expostos oriundos de doações. (TORRES, 2006, pp. 107-108)

Em resumo, vemos no conto Pai contra Mãe de Machado de Assis um belo exemplar da escrita machadiana, uma escrita crítica, irônica, atenta aos contrastes e problemáticas da sociedade brasileira do século XIX e início do XX, com problemas sociais exaltados e não solucionados pela troca entre Monarquia e República, troca esta aquém dos anseios populares, e também não seguradora dos direitos dos cidadãos.



[1] Gomes (2013) nos relata que a princesa Isabel, também conhecida como A Redentora, era amada pelos escravos e ex-escravos, mas era motivo de chacota por muitos brasileiros liberais críticos à Monarquia por sua extrema devoção à religião.

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