Fernando Duarte
Machado de Assis nasceu na cidade do Rio de Janeiro em
21 de junho de 1839 durante a Regência Una de Araújo Lima e há um ano do “Golpe
da Maioridade” que deu a Dom Pedro II, a 23 de julho de 1840 com 14 anos, a
condição de ser coroado imperador do Brasil e começando assim o Segundo Reinado
que durou até 15 de novembro de 1889, nove anos antes da morte do escritor
mulato aqui apresentado.
Na região central do Rio de Janeiro, no Morro do
Livramento, nasceu pobre e mulato, filho de Francisco José Machado de Assis, um
pintor de paredes que era filho de escravos alforriados, e de Maria Leopoldina
da Câmara Machado, lavadeira portuguesa, ele e sua única irmã, que se
separariam devido à alta mortalidade infantil da época que a levou aos quatro
anos em 1845, ano da rendição dos farroupilhas.
Durante o Período Regencial (1831 – 1840), várias
revoltas, levantes e motins aconteciam e começavam no país, tais como, a
Cabanagem no Pará (1834 – 1840), a Revolução Farroupilha (1835 – 1845) no Rio
Grande do Sul e Santa Catarina, a Sabinada (1837 – 1838) na Bahia e a Balaiada
(1838 – 1841) no Maranhão, levando o jovem recente imperador em 1840 a criar
diversas leis voltadas para a ordem e fazendo bom uso do Poder Moderador para
conciliar liberais, conservadores e acalmar e punir revoltosos.
Também é no Segundo Império que começam as concessões
às pressões antiescravagistas da Grã-Bretanha, primeiro em 1850, onde a
principal medida do governo brasileiro foi assinar a Lei Eusébio de Queirós,
lei que tornava ilegal o tráfico de escravos no oceano atlântico, o que fez
diminuir a entrada de escravos no país trazidos do continente africano, mas
aumentando as vendas ilegais em portos não oficiais e o tráfico interno entre
as províncias.
Em 1871 tivemos no Brasil outra importante lei
antiescravagista, a Lei Rio Branco, também conhecida como Lei do Ventre Livre,
depois de 21 anos sem qualquer medida governamental em relação ao fim da
escravidão, a partir da assinatura da lei, os filhos nascidos de escravas
tornariam-se livres após os 21 anos de idade, ou os senhores da escrava mãe
tinham a opção de entregar o seu filho ao governo e dele receberiam uma
indenização como o disposto na lei:
§1.º da lei 2040:- Os ditos filhos menores ficarão em
poder e sob a autoridade dos senhores de suas mães, os quais terão a obrigação
de criá-los e tratá-los até a idade de oito anos completos. Chegando o filho da
escrava a esta idade, o senhor da mãe terá opção, ou de receber do Estado a
indenização de 600$000, ou de utilizar-se dos serviços do menor até a idade de
21 anos completos. No primeiro caso, o Governo receberá o menor e lhe dará
destino, em conformidade da presente lei.
E em 1888, a um ano da Proclamação da República,
tivemos enfim a Lei Áurea, assinada pela “amada” “carola”[1]
princesa Isabel em regência devido a uma das viagens de seu pai, o Imperador, à
Europa. A lei abolia definitivamente a escravidão no Brasil, sendo então, por
fim, abolida a escravidão nas Américas.
O jovem Machado de Assis, dado aos livros e aos cargos
públicos no Brasil imperial, trabalhou em vários folhetins e jornais
independentes e famosos na época como o Diário
do Rio de Janeiro, e fundou uma sociedade artística e literária chamada Arcádia Fluminense. Ele não passou
despercebido pelo imperador e nem a sociedade passou despercebida por ele.
O conto Pai
contra Mãe, faz parte da coletânea de contos da chamada Segunda Fase
machadiana, a fase irônica e realista, lançada no livro Relíquias da Casa Velha em 1906, ano do fim do mandato do 5º
presidente da República brasileira, o paulista Rodrigues Alves. No conto, o
autor, traça um panorama da sociedade imperial brasileira, soltando
características que bem conhecemos, dentre as mais importantes, o gosto pela
aventura dos indivíduos (confirmada por Sérgio Buarque de Holanda em seu Raízes
do Brasil), a forte religiosidade e a escravidão como uma instituição
seguradora da sociedade.
Machado de Assis inicia o conto nos falando dos
instrumentos e ferramentas usadas para manter a “ordem social e humana”, tais
como o “ferro ao pescoço”, o “ferro ao pé” e a máscara de “folha-de-flandres” e
escreve: “Era grotesca tal máscara, mas a ordem social e humana nem sempre se
alcança sem o grotesco, e alguma vez o cruel.”, demonstrando assim sua
característica de crítico e irônico à sociedade imperial. Mais à frente, no
mesmo parágrafo, ele nos indica que talvez nem fossem os instrumentos citados
vistos como algo grotesco pela sociedade, pois “os funileiros as tinham penduradas,
à venda, na porta das lojas” como se fosse algo muito corriqueiro, comum e bem
aceito.
Vemos também no conto indícios de subemprego, devoção a
Deus e a Nossa Senhora, crise financeira dos indivíduos e a ainda famosa “Roda
dos Enjeitados” que para a tia de Clara era um ótimo equipamento para os tempos
difíceis da família, pois é melhor “rejeitar” um filho dando-lhe à uma casa de
acolhimento como as Santas Casas na época para poder comer e viver, que
deixa-lo viver na miséria e morrer à mingua.
No artigo A Casa
da Roda dos Expostos na cidade do Rio Grande (2006), Luiz Henrique Torres
escreve que a Roda dos Enjeitados foi criada pela primeira vez no Brasil em
Salvador no ano de 1726 e posteriormente também no Rio de Janeiro, cidade em
que se passa o conto de Machado, em 1738, além de importante trecho a ressaltar
em suas palavras:
Entre os séculos XVII e XIX, a sociedade ocidental
católica desenvolveu uma forma de assistência infantil chamada Casa da Roda dos
Expostos, que deveria garantir a sobrevivência do enjeitado e preservar oculta
a identidade da pessoa que abandonasse ou encontrasse abandonado um bebê.
Após ser recolhida pela porteira (...) e identificado
o seu estado de saúde e nutrição, a criança era encaminhada a uma ama-de-leite
e depois a uma ama-seca ou de criação (...) que cuidava do menino ou menina até
os sete anos de idade. A criação também poderia ser feita por pessoas que
enviavam um requerimento à Santa Casa manifestando desejo de criar os
enjeitados, devendo informar regularmente sobre as condições de saúde da
criança à administração da instituição. Para isso recebiam um pagamento mensal
para custear a criação da criança, até os oito anos de idade para meninas ou
sete anos para meninos. Nessa idade, a criança deveria ser devolvida à Casa da
Roda. Não ocorrendo a devolução, a criança ficaria sob responsabilidade da mãe
criadeira até a idade de 12 anos sem receber pagamento da Santa Casa. Após os
doze anos a responsabilidade passava ao Juiz de Órfãos. Para a manutenção dos
pagamentos das crianças mantidas nas Casas da Roda, a Santa Casa utilizava
recursos próprios, de doações de particulares, do governo, das câmaras
municipais e dos rendimentos dos bens dos expostos oriundos de doações.
(TORRES, 2006, pp. 107-108)
Em resumo, vemos no conto Pai contra Mãe de Machado de Assis um belo exemplar da escrita
machadiana, uma escrita crítica, irônica, atenta aos contrastes e problemáticas
da sociedade brasileira do século XIX e início do XX, com problemas sociais
exaltados e não solucionados pela troca entre Monarquia e República, troca esta
aquém dos anseios populares, e também não seguradora dos direitos dos cidadãos.
[1] Gomes (2013) nos relata que a princesa Isabel, também
conhecida como A Redentora, era amada pelos escravos e ex-escravos, mas era
motivo de chacota por muitos brasileiros liberais críticos à Monarquia por sua
extrema devoção à religião.
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