Fernando Duarte
O “ensaio de interpretação sociológica” foi escrito
inicialmente em espanhol, no Chile, entre os anos de 1965 e 1966, durante o
exílio de Fernando Henrique Cardoso, em co-autoria com o historiador e mestre
em Sociologia Enzo Faletto. Antes de falar exatamente sobre a obra, vamos fazer
uma breve passada pela história dos dois autores.
Fernando Henrique Cardoso, filho e neto de militares
importantes na história do Brasil – seu pai Leônidas Cardoso, por exemplo,
participou das revoltas tenentistas na 1ª República – nasceu no Rio de Janeiro
em 1931, mesmo ano de Isabelita Perón, a primeira mulher a ocupar o cargo de
presidência da República Argentina (em 1974) e Mikhail Gorbachev, o chefe de Estado
da ex-URSS que abriu o país para o mercado capitalista mundial e acabou com a
Guerra Fria.
Em 1940, seu pai transfere-se para São Paulo e lá
Fernando Henrique termina seus estudos e ingressa no curso superior de Ciências
Sociais da Universidade de São Paulo (USP), onde junto com outro importante
sociólogo brasileiro, Octavio Ianni, auxilia Florestan Fernandes e Roger
Bastide.
Dos seus escritos importantes da mesma época estão Negros em Florianópolis: relações sociais e
econômicas, em co-autoria com Octavio Ianni, e Capitalismo e escravidão no Brasil meridional: o negro na sociedade escravocrata
do Rio Grande do Sul, sua tese de doutoramento, publicada em 1962.
Enzo Doménico Faletto Verné nasceu em 1935, ano de
fundação do time brasileiro São Paulo
Futebol Clube, e também de nascimento de Elvis Presley e Luciano Pavarotti,
ano da cassação nazista à cidadania alemã dos judeus e proibição do casamento
de alemães com eles e também ano em que o autor do livro Relativity, gravitation and world-structure, o astrofísico
britânico Edward Arthur Milne foi agraciado com a medalha de ouro da Sociedade
Real Astronômica.
Enzo Faletto graduou-se em licenciatura em História
pela Universidade do Chile e fez mestrado em Sociologia na Faculdade
Latinoamericana de Ciências Sociais (FLACSO), foi consultor da Comissão
Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), e foi professor da
Universidade do Chile até seus últimos dias em 2003, quando faleceu. Sua
principal obra foi a estudada aqui, Dependência
e Desenvolvimento na América Latina.
O livro é composto por seis capítulos, sendo o
primeiro denominado Introdução, o
segundo, Análise integrada do
desenvolvimento, onde os autores abordam alguns conceitos chaves como o de “subdesenvolvimento”,
o terceiro, As situações fundamentais no
período de “expansão para fora”, onde abordam o “controle nacional do
sistema produtivo”, o quarto, Desenvolvimento
e mudança social no momento de transição, onde serão feitas comparações de
casos no Brasil, Argentina, Uruguai e Colômbia, o quinto, Nacionalismo e populismo: forças sociais e política desenvolvimentista
na fase de consolidação do mercado interno, e o sexto capítulo, denominado A internacionalização do mercado: o novo
caráter da dependência.
No Prefácio à edição de 2004, Fernando Henrique
Cardoso escreve que na época em que o livro foi escrito, na década de 1960, “havia
o embate entre duas visões sobre o desenvolvimento econômico”, a saber:
1.
A visão da CEPAL, da qual participavam Celso Furtado, por
exemplo, que em resumo seria um nacional desenvolvimentismo, que via no
progresso técnico e na industrialização uma saída para o desenvolvimento
econômico da América Latina.
2.
A dos movimentos políticos e universitários que acreditavam
em uma “transformação mais radical” como a “vitória do socialismo” ou outro
movimento que romperia com os laços coloniais e de submissão ao imperialismo.
Segundo Cardoso, a tentativa dele e de Faletto era
analisar sociologicamente e ideologicamente o desenvolvimento econômico,
político e social nos países subdesenvolvidos em relação aos desenvolvidos, ele
acredita que fugiam à uma tradição marxista de interpretação que imputava a
dependência à lógica do capital, entendendo “dependência” não como sinônimo de
dominação, embora à época, esta fosse a visão mais comum.
No Prefácio, ele também aponta alguns pensamentos de
forma geral e apresenta alguns conceitos como “Internacionalização do mercado
interno”, que de certa forma, serviria para entender como o mercado interno
estava se ampliando em alguns países, graças aos “investimentos industriais
externos”, que gerava uma “Globalização”, outro conceito que ele utiliza para
entender o processo de integração financeira e dispersão mundial do processo
produtivo.
Para o autor,
era preciso analisar globalmente as relações econômicas, pois o mercado estava
interligado mundialmente, fazendo com que apresentasse outro conceito, o de “Desenvolvimento
dependente associado”, significando a conciliação dos interesses dos grupos
dominantes locais com os interesses internacionais da economia mundial.
Ele não só analisa, como parece defender a ideia de
que o novo sistema de alianças entre os grupos dominantes locais e o mercado
mundial traria desenvolvimento econômico fazendo com que a região crescesse e
inaugurasse “uma fase de desenvolvimento autossustentado”, submetendo as
economias locais ao capital estrangeiro, dando ideia de que a economia local
estava estagnada e necessitaria fluir da forma presente mundialmente, ou seja,
o liberal capitalismo, a ideia de financiamento exterior ao setor público
também se encontra presente. Para ele, crescer localmente economicamente
necessitaria de associação com a mundialização, com os países desenvolvidos,
coisa que a internet hoje possibilita facilmente.
A ideia de “integração planetária” também aparece
aqui, havendo uma ideia de que ilhas de prosperidade dos diversos países se
homogeneariam, tornariam-se iguais, fazendo entender que cidades como São
Paulo, Nova Iorque, Buenos Aires, Hong Kong, Tóquio, Londres, por exemplo,
tornariam-se idênticas, devido ao mercado mundial, posição esta, revista no seu
livro A Soma e o resto (2011).
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