domingo, 14 de junho de 2015

DEPENDÊNCIA E DESENVOLVIMENTO NA AMÉRICA LATINA (FERNANDO HENRIQUE CARDOSO E ENZO FALETTO)

Fernando Duarte

O “ensaio de interpretação sociológica” foi escrito inicialmente em espanhol, no Chile, entre os anos de 1965 e 1966, durante o exílio de Fernando Henrique Cardoso, em co-autoria com o historiador e mestre em Sociologia Enzo Faletto. Antes de falar exatamente sobre a obra, vamos fazer uma breve passada pela história dos dois autores.
Fernando Henrique Cardoso, filho e neto de militares importantes na história do Brasil – seu pai Leônidas Cardoso, por exemplo, participou das revoltas tenentistas na 1ª República – nasceu no Rio de Janeiro em 1931, mesmo ano de Isabelita Perón, a primeira mulher a ocupar o cargo de presidência da República Argentina (em 1974) e Mikhail Gorbachev, o chefe de Estado da ex-URSS que abriu o país para o mercado capitalista mundial e acabou com a Guerra Fria.
Em 1940, seu pai transfere-se para São Paulo e lá Fernando Henrique termina seus estudos e ingressa no curso superior de Ciências Sociais da Universidade de São Paulo (USP), onde junto com outro importante sociólogo brasileiro, Octavio Ianni, auxilia Florestan Fernandes e Roger Bastide.
Dos seus escritos importantes da mesma época estão Negros em Florianópolis: relações sociais e econômicas, em co-autoria com Octavio Ianni, e Capitalismo e escravidão no Brasil meridional: o negro na sociedade escravocrata do Rio Grande do Sul, sua tese de doutoramento, publicada em 1962.
Enzo Doménico Faletto Verné nasceu em 1935, ano de fundação do time brasileiro São Paulo Futebol Clube, e também de nascimento de Elvis Presley e Luciano Pavarotti, ano da cassação nazista à cidadania alemã dos judeus e proibição do casamento de alemães com eles e também ano em que o autor do livro Relativity, gravitation and world-structure, o astrofísico britânico Edward Arthur Milne foi agraciado com a medalha de ouro da Sociedade Real Astronômica.
Enzo Faletto graduou-se em licenciatura em História pela Universidade do Chile e fez mestrado em Sociologia na Faculdade Latinoamericana de Ciências Sociais (FLACSO), foi consultor da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), e foi professor da Universidade do Chile até seus últimos dias em 2003, quando faleceu. Sua principal obra foi a estudada aqui, Dependência e Desenvolvimento na América Latina.
O livro é composto por seis capítulos, sendo o primeiro denominado Introdução, o segundo, Análise integrada do desenvolvimento, onde os autores abordam alguns conceitos chaves como o de “subdesenvolvimento”, o terceiro, As situações fundamentais no período de “expansão para fora”, onde abordam o “controle nacional do sistema produtivo”, o quarto, Desenvolvimento e mudança social no momento de transição, onde serão feitas comparações de casos no Brasil, Argentina, Uruguai e Colômbia, o quinto, Nacionalismo e populismo: forças sociais e política desenvolvimentista na fase de consolidação do mercado interno, e o sexto capítulo, denominado A internacionalização do mercado: o novo caráter da dependência.
No Prefácio à edição de 2004, Fernando Henrique Cardoso escreve que na época em que o livro foi escrito, na década de 1960, “havia o embate entre duas visões sobre o desenvolvimento econômico”, a saber:
1.        A visão da CEPAL, da qual participavam Celso Furtado, por exemplo, que em resumo seria um nacional desenvolvimentismo, que via no progresso técnico e na industrialização uma saída para o desenvolvimento econômico da América Latina.
2.        A dos movimentos políticos e universitários que acreditavam em uma “transformação mais radical” como a “vitória do socialismo” ou outro movimento que romperia com os laços coloniais e de submissão ao imperialismo.
Segundo Cardoso, a tentativa dele e de Faletto era analisar sociologicamente e ideologicamente o desenvolvimento econômico, político e social nos países subdesenvolvidos em relação aos desenvolvidos, ele acredita que fugiam à uma tradição marxista de interpretação que imputava a dependência à lógica do capital, entendendo “dependência” não como sinônimo de dominação, embora à época, esta fosse a visão mais comum.
No Prefácio, ele também aponta alguns pensamentos de forma geral e apresenta alguns conceitos como “Internacionalização do mercado interno”, que de certa forma, serviria para entender como o mercado interno estava se ampliando em alguns países, graças aos “investimentos industriais externos”, que gerava uma “Globalização”, outro conceito que ele utiliza para entender o processo de integração financeira e dispersão mundial do processo produtivo.
  Para o autor, era preciso analisar globalmente as relações econômicas, pois o mercado estava interligado mundialmente, fazendo com que apresentasse outro conceito, o de “Desenvolvimento dependente associado”, significando a conciliação dos interesses dos grupos dominantes locais com os interesses internacionais da economia mundial.
Ele não só analisa, como parece defender a ideia de que o novo sistema de alianças entre os grupos dominantes locais e o mercado mundial traria desenvolvimento econômico fazendo com que a região crescesse e inaugurasse “uma fase de desenvolvimento autossustentado”, submetendo as economias locais ao capital estrangeiro, dando ideia de que a economia local estava estagnada e necessitaria fluir da forma presente mundialmente, ou seja, o liberal capitalismo, a ideia de financiamento exterior ao setor público também se encontra presente. Para ele, crescer localmente economicamente necessitaria de associação com a mundialização, com os países desenvolvidos, coisa que a internet hoje possibilita facilmente.

A ideia de “integração planetária” também aparece aqui, havendo uma ideia de que ilhas de prosperidade dos diversos países se homogeneariam, tornariam-se iguais, fazendo entender que cidades como São Paulo, Nova Iorque, Buenos Aires, Hong Kong, Tóquio, Londres, por exemplo, tornariam-se idênticas, devido ao mercado mundial, posição esta, revista no seu livro A Soma e o resto (2011).

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