Fernando Duarte
A Crimeia é uma península situada na
margem norte do Mar Negro, em posição estratégica entre a Rússia e o restante
da Europa, à meio caminho do Mar Mediterrâneo. Ela é uma República Autônoma
onde predominava uma população tártara específica, mas sempre foi alvo de
disputas entre diversos povos, sendo o primeiro exponente dominante os turcos a
partir do século XV, e depois os russos, em 1921, com a anexação do território
à União Soviética, quando também Joseph Stálin exilou muitos tártaros que eram
contra a esta anexação.
A Crimeia é um ponto de disputa
estratégico por sua localidade, mas também por seus portos naturais ao longo da
costa. Na Crimeia existe o porto de Sebastopol, onde se localiza a Frota do Mar
Negro, de origem russa. De Sebastopol à Istambul são mais ou menos 1000km por
mar, enquanto que do porto mais próximo da Rússia à Istambul (em Novorossisk) conta-se
pelo menos mais 200 km. Portanto, sendo assim, um local de facilidade para
abastecimento e para o gerenciamento do Mar Negro e da segurança da Rússia que
a menos de 2 séculos entrou em guerra com o Império Otomano, em confrontos
diretos no Mar Negro, onde a Turquia possui, estrategicamente localizado, o
porto de Sinop.
A Rússia há tempos mostra ao mundo
que não é apenas um vasto território, mas um Estado muito bem organizado, mesmo
com a sua amplitude que abrange Europa e Ásia. Um Estado forte desde os tempos
do Império de Pedro I, o Grande, que abriu “as janelas da Rússia para a Europa”
ao fundar São Petersburgo, tomado na Guerra contra a Suécia que durou de 1700 a
1721, com o Tratado de Nystad.
O vasto território russo conseguiu
derrotar dois grandes estrategistas, estadistas expansionistas europeus do
mundo contemporâneo, a saber, Napoleão Bonaparte no século XIX e Adolf Hitler
no século XX. Ambos não foram páreos ao conhecimento dos próprios russos de seu
território e de seu clima, fazendo com que aqueles que se aventuram à uma
guerra com a Rússia, que se exigem a invasão do território, façam-se sempre com
extrema cautela, ou mesmo evitando o conflito direto.
Toda guerra pode ser vista como
resultado natural do desejo humano primordial de preservar a si mesmo, como
pensaria o inglês Thomas Hobbes. A harmonia social criada só pode ser
sustentada com a força do Soberano, no caso dos Estados, o próprio. Em uma
relação entre os Estados, não entre os indivíduos, fica necessário também
instituir um limite da ação destes, para que não se destruam e não reflitam um
estado natural de guerra de todos contra todos.
No caso dos Estados, sua soberania é
sua força, sua capacidade de autodeterminação e autosegurança diante dos
demais. É preciso reconhecer que uma guerra entre Estados soberanos não é a
melhor escolha, portanto, a criação de uma harmonia sobre a constante tensão, é
necessária, porém complicada, cabendo então a questão: a quem recorrer quando se sentir lesado? Daí a criação de entidades
supraestatais e internacionais como a ONU para assegurar uma paz mundial e uma
harmonia entre os Estados, não precisando estes recorrer a guerras para
resolver seus problemas.
Quando em 2014 a Crimeia passou
novamente a viver uma tensão interna, a maior parte de sua população de origem
russa não se identificando com o governo interino ucraniano, com a ajuda da
Rússia, contra a própria ONU, resolveu através de um referendo voltar a ser
território partícipe da Federação Russa tornou novamente latente o conflito
entre Estados, demonstrando a fragilidade da paz criada e a iminência de uma
nova guerra não só em território europeu, mas englobando todos os outros
continentes, pelas ligações políticas, ideológicas e econômicas existentes.
O que está em jogo não é mais
somente a velha utopia comunista que ameaça o mundo capitalista e liberal, como
segundo o historiador Edward H. Carr nos disse, é preciso reconhecer que toda
ação política é um misto entre utopia e realidade, e a realidade é bem mais
fluida, mesmo que de mais fácil análise por suas regras objetivas, do que a
pura e ingênua utopia. O que move as ações dos Estados é o desejo de manter-se,
necessitando uma sabedoria política para tal, sendo esta sabedoria um
equilíbrio entre a idealização do que se quer e a realização das
possibilidades.
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