domingo, 17 de janeiro de 2016

O Problema da Crimeia e a realidade russa

Fernando Duarte


            A Crimeia é uma península situada na margem norte do Mar Negro, em posição estratégica entre a Rússia e o restante da Europa, à meio caminho do Mar Mediterrâneo. Ela é uma República Autônoma onde predominava uma população tártara específica, mas sempre foi alvo de disputas entre diversos povos, sendo o primeiro exponente dominante os turcos a partir do século XV, e depois os russos, em 1921, com a anexação do território à União Soviética, quando também Joseph Stálin exilou muitos tártaros que eram contra a esta anexação.
            A Crimeia é um ponto de disputa estratégico por sua localidade, mas também por seus portos naturais ao longo da costa. Na Crimeia existe o porto de Sebastopol, onde se localiza a Frota do Mar Negro, de origem russa. De Sebastopol à Istambul são mais ou menos 1000km por mar, enquanto que do porto mais próximo da Rússia à Istambul (em Novorossisk) conta-se pelo menos mais 200 km. Portanto, sendo assim, um local de facilidade para abastecimento e para o gerenciamento do Mar Negro e da segurança da Rússia que a menos de 2 séculos entrou em guerra com o Império Otomano, em confrontos diretos no Mar Negro, onde a Turquia possui, estrategicamente localizado, o porto de Sinop.
            A Rússia há tempos mostra ao mundo que não é apenas um vasto território, mas um Estado muito bem organizado, mesmo com a sua amplitude que abrange Europa e Ásia. Um Estado forte desde os tempos do Império de Pedro I, o Grande, que abriu “as janelas da Rússia para a Europa” ao fundar São Petersburgo, tomado na Guerra contra a Suécia que durou de 1700 a 1721, com o Tratado de Nystad.
            O vasto território russo conseguiu derrotar dois grandes estrategistas, estadistas expansionistas europeus do mundo contemporâneo, a saber, Napoleão Bonaparte no século XIX e Adolf Hitler no século XX. Ambos não foram páreos ao conhecimento dos próprios russos de seu território e de seu clima, fazendo com que aqueles que se aventuram à uma guerra com a Rússia, que se exigem a invasão do território, façam-se sempre com extrema cautela, ou mesmo evitando o conflito direto.
            Toda guerra pode ser vista como resultado natural do desejo humano primordial de preservar a si mesmo, como pensaria o inglês Thomas Hobbes. A harmonia social criada só pode ser sustentada com a força do Soberano, no caso dos Estados, o próprio. Em uma relação entre os Estados, não entre os indivíduos, fica necessário também instituir um limite da ação destes, para que não se destruam e não reflitam um estado natural de guerra de todos contra todos.
            No caso dos Estados, sua soberania é sua força, sua capacidade de autodeterminação e autosegurança diante dos demais. É preciso reconhecer que uma guerra entre Estados soberanos não é a melhor escolha, portanto, a criação de uma harmonia sobre a constante tensão, é necessária, porém complicada, cabendo então a questão: a quem recorrer quando se sentir lesado? Daí a criação de entidades supraestatais e internacionais como a ONU para assegurar uma paz mundial e uma harmonia entre os Estados, não precisando estes recorrer a guerras para resolver seus problemas.
            Quando em 2014 a Crimeia passou novamente a viver uma tensão interna, a maior parte de sua população de origem russa não se identificando com o governo interino ucraniano, com a ajuda da Rússia, contra a própria ONU, resolveu através de um referendo voltar a ser território partícipe da Federação Russa tornou novamente latente o conflito entre Estados, demonstrando a fragilidade da paz criada e a iminência de uma nova guerra não só em território europeu, mas englobando todos os outros continentes, pelas ligações políticas, ideológicas e econômicas existentes.
            O que está em jogo não é mais somente a velha utopia comunista que ameaça o mundo capitalista e liberal, como segundo o historiador Edward H. Carr nos disse, é preciso reconhecer que toda ação política é um misto entre utopia e realidade, e a realidade é bem mais fluida, mesmo que de mais fácil análise por suas regras objetivas, do que a pura e ingênua utopia. O que move as ações dos Estados é o desejo de manter-se, necessitando uma sabedoria política para tal, sendo esta sabedoria um equilíbrio entre a idealização do que se quer e a realização das possibilidades.

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