sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

O Nascimento da cidade de Juazeiro do Norte e a sua religiosidade



 Fernando Duarte
            Para falar do nascimento da cidade de Juazeiro do Norte, inicialmente uma pequena vila do Crato, por volta da segunda metade do século XIX contando com três dezenas de casas ao redor de juazeiros (a árvore), precisamos falar do padre que através de sua ação pastoral iniciada na localidade em 1872 conseguiu transformar a região, no século XX, em um polo econômico, industrial e religioso.
            Padre Cícero Romão Batista, conhecido popularmente como “Padim Ciço”, nasceu no Crato em 24 de março de 1844, mesmo ano do “Grande Desapontamento”¹, e morreu em 1934, aos 90 anos de idade.
            Padre Cícero está diretamente ligado com o nascimento da cidade de Juazeiro do Norte, que se tornou município, independente do Crato, em 1909, levando a alcunha de “do Norte” para se diferenciar da cidade baiana, fundada em 1833 em homenagem ao nome da mesma árvore da região, o juazeiro, conhecido também como juá.
            A ação pastoral do padre iniciou-se na vila em 1872 e desde então começaram a surgir pessoas de todo o Nordeste, em romarias sazonais, mas também em migrações que tinham a localidade como destino final, eis que as práticas e pensamentos do Padre tinham um grande poder de mover as pessoas, não só pela fé, mas também pela ideologia de emancipação e dignidade através do trabalho.
            É certo que histórias como “O Milagre de Juazeiro”, em 1889, que iam passando via oral, mas também por escrita, principalmente os cordéis, ajudavam no imaginário popular que ali se tinha um santo na Terra, mais próximo das ideias de um Cristo verdadeiro que da religião católica em si, portanto, movendo pessoas através de suas palavras e pensamentos de certa forma “revolucionários”, fazendo com que as romarias, as viagens movidas pela fé e a esperança de que o padre mudaria vidas, foram dando à Juazeiro do Norte o contingente populacional que fizeram da cidade o que ela é hoje.
            Um dos motes do Padre era fazer de cada casa uma oficina, dando trabalho e independência ao povo que o procurava, cedendo terras para se instalarem, tornando o lugar refúgio para onde convergiam “os desamparados”, mas também era fazer de cada casa um lugar de oração, unindo a religião ao trabalho. O Padre soube utilizar muito bem a estratégia de mercado para seus fiéis de Juazeiro, incentivando a produção familiar, mas também o consumo, principalmente religioso dos itens produzidos, como por exemplo, fogos, rosários, santos e candelabros, usados em casa, nas procissões e nas festas religiosas.
            Della-Cava (apud Holanda, 2008) relata que em 1909, o ano da emancipação de Juazeiro do Norte, a cidade contava com 40 mestres de obras, 8 ferrarias, 7 oficinas de latoeiro, 15 fogueteiros, 20 oficinas de sapateiros, marcenarias, 2 ourivesarias, 35 carpintarias e uma fundição que produzia sinos, relógios de parede e de torres que para além da economia de subsistência eram exportados pelo Nordeste.
            O Nordeste é quase que em totalidade um Semiárido, embora com pontos de transição, ou com reservas florestais, como a do Araripe, faz com que seu povo esteja sempre na esperança de chuva, ou melhores tempos, lugar de disputas políticas familiares e matanças, lugar da adversidade natural e política, faz também com que surja um povo batalhador, esperançoso, que luta como pode e inventa novas maneiras de se viver onde a grande maioria dos que vivem em lugares mais propícios inclusive para a agricultura estranhem.
            Esse povo encontrou não só em Padre Cícero mas no “arquétipo do profeta e provedor” o alimento para seu imaginário coletivo, dando-lhes peculiaridades capazes de os distinguir entre outros religiosos de outras localidades, recriando um “Cristianismo Primitivo” nas palavras de Holanda (2008), transmitindo oralmente ou em versos como o cordel as inúmeras histórias de milagres, curas e profecias que ligavam a região à uma espécie de sacralismo, fortalecendo o universo místico e mágico da fé e da religiosidade que foi a base da construção da cidade.


1. O Grande Desapontamento é um evento referente à uma crença, principalmente estadunidense em que alguns religiosos esperavam que no dia 22 de outubro de 1844 Jesus Cristo voltasse a Terra, quando passou o dia e ele não voltou, deu-se “O Grande Desapontamento”, visto também como “O dia do grande desapontamento”, sendo alguns dos religiosos dessa crença os futuros fundadores da Igreja Adventista do Sétimo Dia, fundada alguns anos depois nos Estados Unidos da América.

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