Fernando Duarte
Para falar do nascimento da cidade
de Juazeiro do Norte, inicialmente uma pequena vila do Crato, por volta da
segunda metade do século XIX contando com três dezenas de casas ao redor de juazeiros
(a árvore), precisamos falar do padre que através de sua ação pastoral iniciada
na localidade em 1872 conseguiu transformar a região, no século XX, em um polo
econômico, industrial e religioso.
Padre Cícero Romão Batista,
conhecido popularmente como “Padim Ciço”, nasceu no Crato em 24 de março de
1844, mesmo ano do “Grande Desapontamento”¹, e morreu em 1934, aos 90
anos de idade.
Padre Cícero está diretamente ligado
com o nascimento da cidade de Juazeiro do Norte, que se tornou município,
independente do Crato, em 1909, levando a alcunha de “do Norte” para se
diferenciar da cidade baiana, fundada em 1833 em homenagem ao nome da mesma
árvore da região, o juazeiro, conhecido também como juá.
A ação pastoral do padre iniciou-se
na vila em 1872 e desde então começaram a surgir pessoas de todo o Nordeste, em
romarias sazonais, mas também em migrações que tinham a localidade como destino
final, eis que as práticas e pensamentos do Padre tinham um grande poder de
mover as pessoas, não só pela fé, mas também pela ideologia de emancipação e
dignidade através do trabalho.
É certo que histórias como “O
Milagre de Juazeiro”, em 1889, que iam passando via oral, mas também por
escrita, principalmente os cordéis, ajudavam no imaginário popular que ali se
tinha um santo na Terra, mais próximo das ideias de um Cristo verdadeiro que da
religião católica em si, portanto, movendo pessoas através de suas palavras e
pensamentos de certa forma “revolucionários”, fazendo com que as romarias, as
viagens movidas pela fé e a esperança de que o padre mudaria vidas, foram dando
à Juazeiro do Norte o contingente populacional que fizeram da cidade o que ela
é hoje.
Um dos motes do Padre era fazer de
cada casa uma oficina, dando trabalho e independência ao povo que o procurava, cedendo
terras para se instalarem, tornando o lugar refúgio para onde convergiam “os
desamparados”, mas também era fazer de cada casa um lugar de oração, unindo a
religião ao trabalho. O Padre soube utilizar muito bem a estratégia de mercado
para seus fiéis de Juazeiro, incentivando a produção familiar, mas também o
consumo, principalmente religioso dos itens produzidos, como por exemplo,
fogos, rosários, santos e candelabros, usados em casa, nas procissões e nas
festas religiosas.
Della-Cava (apud Holanda, 2008)
relata que em 1909, o ano da emancipação de Juazeiro do Norte, a cidade contava
com 40 mestres de obras, 8 ferrarias, 7 oficinas de latoeiro, 15 fogueteiros,
20 oficinas de sapateiros, marcenarias, 2 ourivesarias, 35 carpintarias e uma
fundição que produzia sinos, relógios de parede e de torres que para além da
economia de subsistência eram exportados pelo Nordeste.
O Nordeste é quase que em totalidade
um Semiárido, embora com pontos de transição, ou com reservas florestais, como
a do Araripe, faz com que seu povo esteja sempre na esperança de chuva, ou
melhores tempos, lugar de disputas políticas familiares e matanças, lugar da
adversidade natural e política, faz também com que surja um povo batalhador,
esperançoso, que luta como pode e inventa novas maneiras de se viver onde a
grande maioria dos que vivem em lugares mais propícios inclusive para a
agricultura estranhem.
Esse povo encontrou não só em Padre
Cícero mas no “arquétipo do profeta e provedor” o alimento para seu imaginário
coletivo, dando-lhes peculiaridades capazes de os distinguir entre outros
religiosos de outras localidades, recriando um “Cristianismo Primitivo” nas
palavras de Holanda (2008), transmitindo oralmente ou em versos como o cordel
as inúmeras histórias de milagres, curas e profecias que ligavam a região à uma
espécie de sacralismo, fortalecendo o universo místico e mágico da fé e da
religiosidade que foi a base da construção da cidade.
1. O Grande Desapontamento é um
evento referente à uma crença, principalmente estadunidense em que alguns
religiosos esperavam que no dia 22 de outubro de 1844 Jesus Cristo voltasse a
Terra, quando passou o dia e ele não voltou, deu-se “O Grande Desapontamento”,
visto também como “O dia do grande desapontamento”, sendo alguns dos religiosos
dessa crença os futuros fundadores da Igreja Adventista do Sétimo Dia, fundada
alguns anos depois nos Estados Unidos da América.
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