Resumo produzido por Fernando Luiz Duarte Junior em dezembro de 2014.
José Murilo de Carvalho em
“Os Bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não foi” (1987),
inicia uma análise histórica e social sobre a instauração da República no Brasil, dividindo seu livro em cinco capítulos, além de uma introdução e uma conclusão, contando também com uma vasta bibliografia e imagens da época.
Na
introdução ao livro, o autor já deixa claro quais são as suas questões, e
partindo da contestação de Aristides Lobo sobre a “bestialização” do povo
diante da Proclamação da República, vai traçando sua análise também sobre a
formação da cidadania no Brasil, e de como, mesmo que com muitas manifestações,
o povo foi alheio à Proclamação, deixando também, ao final, o recado:
Ao reler a história com os olhos de hoje talvez pudéssemos
dizer que os vivos, ao tentar reconstruir o passado, tentam governar os mortos
na ilusão de poderem governar a si próprios. Ou, em versão pessimista, na
frustração de não o poderem fazer. (CARVALHO, 1987, p.14)
No capítulo I, denominado “O Rio de
Janeiro e a República”, podemos ver os problemas decorridos da transição do
modelo monárquico ao republicano, da abolição da escravatura que fez com que
negros tivessem que disputar emprego agora de forma livre, como outros trabalhadores,
brasileiros, portugueses e demais estrangeiros vindos para o país,
principalmente para trabalhar nas fazendas de café, o crescimento demográfico
na cidade do Rio de Janeiro, a vacinação obrigatória, a perseguição dos
republicanos aos capoeiras, anarquistas e monarquistas que fez com que grande
parte da população de classes menos abastadas e negros tivessem um desapreço
pelo novo regime.
Também no capítulo I podemos
perceber que José Murilo de Carvalho acredita que a cultura do subúrbio, a
cultura das populações negras e seus descendentes foram se incorporando nas
culturas de elite, fazendo assim com que o Rio de Janeiro imperial fosse se
tornando uma república, aos poucos, lentamente, a cara de seu povo,
“materializada nas grandes celebrações do carnaval e do futebol” (p. 41).
Capítulo II, a Constituição da
República (1891) era mais conservadora e antidemocrática que a Constituição do
Império (1824), com ela pouco se avançou em termos de expansão de direitos
civis e políticos, e pode-se dizer que houve um retrocesso nos direitos
sociais.
Os soldados e operários, no início
da República, também lutavam através de jornais por direitos políticos, eis que
a constituição os negava o direito ao voto, e aos mais pobres, não por questões
de renda, como na Constituição imperial, mas por questões de analfabetismo,
tendo o Estado se eximido da obrigação de fornecer a educação primária.
O início da República foi conturbado
pelos conflitos de ideais, anarquistas, positivistas, monarquistas, socialistas
e heterogêneos republicanos ainda se digladiavam sem um consenso, direitos como
o de organização sindical e de greve não foram bem aceitos na República, imperando
assim os ideais liberais do setor dominante e o usufruto do Estado para
conquistar alguma participação ou direito político, chamado pelo autor de
estadania, em contraposição à cidadania.
No capítulo III, José Murilo de
Carvalho irá desenvolver a ideia de que a total inexistência de povo no Rio de
Janeiro era uma ideia exagerada, baseada na tentativa de entender o cidadão
político brasileiro aos moldes europeus, e irá defender também a participação
popular em movimentos existentes aqui, como o abolicionismo e revoltas
republicanas, demonstrando que não existia uma “total apatia” do povo e a
importância dos imigrantes nesse contexto de construção do Brasil republicano.
O autor retoma também a discussão
sobre a participação política através do voto, mostrando através de números
oficiais, mesmo reconhecendo a dificuldade desses números retratarem fielmente
a realidade, que 80% da população do Rio de Janeiro, a cidade mais urbanizada
do país, estava excluída do direito do voto, e mesmo os 20% aptos a votar, não
compareciam às eleições em sua totalidade por diversos fatores, como as fraudes
eleitorais, concluindo que “pelo critério da participação eleitoral, pode-se
dizer que de fato não havia povo político no Rio de Janeiro”. E também,
Em termos do sistema político formal, Couty e Raul Pompéia
tinham razão: o Rio não tinha povo. O povo do Rio, quando participava
politicamente, o fazia fora dos canais oficiais, através de greves políticas,
de arruaças, de quebra-quebras. Ou mesmo através de movimentos de natureza
quase revolucionária, como a Revolta da Vacina. Mas na maior parte do tempo
dedicava suas energias participativas e sua capacidade de organização a outras
atividades. Do governo queria principalmente que o deixasse em paz. (CARVALHO,
1987, p. 90)
No capítulo IV, o autor mostrará
através da Revolta da Vacina a mentalidade dos insurgentes, seus motivos – os
quais demonstra serem mais morais que econômicos diante de outras revoltas –, e
tentará construir suas identidades no Rio de Janeiro. Mostrará também como as
tentativas de aplicação das leis, sejam elas as de higienização da cidade ou de
organização urbana não pegavam bem à mentalidade dos cariocas, diferindo
inclusive o formal do real, que ficará mais claro no capítulo posterior.
No capítulo V, intitulado
“Bestializados ou Bilontras?”, podemos ver a inversão de valores que havia na
sociedade carioca do início da República e do século XX, onde as representações
cívicas republicanas eram massacradas pelo Estado e o poder legal era composto
por conservadores antidemocráticos, fazendo com que se percebesse na sociedade
do Rio de Janeiro revoltas e resignações, onde a afirmativa de Aristides Lobo
toma uma outra semântica, à luz de uma interpretação anarquista, José Murilo de
Carvalho deixa claro que participar da política do país naquele momento era
estar bestializado, enquanto que sair dela era realmente a afirmação da
malandragem, do bilontra.
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