FERNANDO LUIZ
DUARTE JUNIOR
Algumas considerações
sobre o Humor a partir do “Seria trágico... se não fosse cômico: humor e
psicanálise”
A partir do texto “Seria trágico...
se não fosse cômico: humor e psicanálise”, recortado à Apresentação e ao artigo
“Perder a vida, mas não a piada” de Daniel Kupermann, podemos elevar à
discussão corriqueira, nesses tempos de simbiotização entre programas de
entretenimento televisivo e a comédia, questões da psicanálise freudiana sobre
o tal famigerado “humor negro”.
Na Apresentação, podemos ver que os
autores (Abrão Slavutzky e Daniel Kupermann) procuram resgatar a visão de Freud
sobre o humor, identificando nela uma positividade da qual já não temos mais
tanta certeza, pois os recentes casos televisivos como o de Rafinha Bastos,
Danilo Gentili e o menos “demonizado”, e agora “globalizado”, Marcelo Adnet,
nos indicam uma certa controvérsia quanto a natureza e a função do humor.
Aos não familiarizados com o mundo
do humor de massa, em 2011 o humorista carioca, até então contratado da MTV, Marcelo
Adnet, conhecido por suas performances de paródia e imitação, caricaturização e
forte expressão crítica, fez uma “piada” em um quadro de seu programa
utilizando o público autista como “alvo”, no qual teve que se retratar ele e a
emissora, emitindo uma nota na qual dizia que “a esquete ‘Casa dos autistas’
ultrapassou limites aceitáveis do humor”.
No mesmo ano do caso de Adnet, o
gaúcho Rafinha Bastos foi pego “com a mão nas calças” por ter feito uma “piada
de mau gosto” sobre garotas, supostamente feias, que são estupradas. A piada
não passou na vida do “humorista” sem lhe causar arranhões, porém parece que
sua vida seguia normalmente, até que em pleno programa ao vivo que participava
na Rede Bandeirantes, poucos meses depois, ele soltou a piada que mudaria sua
vida e lhe renderia uma expulsão da emissora e um processo da cantora Wanessa
Camargo, “alvo” de sua piada.
Pouco tempo depois, seu ex colega de
emissora e sócio de uma casa de shows humorísticos, o andreense Danilo Gentili,
foi o alvejado com as críticas. Danilo Gentili aproveitou uma notícia que saíra
em um jornal de São Paulo sobre a implantação de uma estação de metrô em um
bairro “nobre”, com um público “distinto” da cidade, para fazer uma “piada” com
o público judeu. O “humorista” não perdeu o emprego mas deu uma sumida de
alguns quadros de seu antigo programa, retornando depois com um triunfal Talk Show no qual ele é o entrevistador.
Hoje ele é uma espécie de Jô Soares da Band.
Esses casos, ao qual trago como
exemplos, servem para nos mostrar como o humor traz em si certa ambiguidade à
qual nem todos estão familiarizados; nem com sua ambiguidade, nem com sua outra
possibilidade. É o que os autores estão no texto chamando de visões de
realidade unilaterais que demonstram a incapacidade de entender uma piada ou o
que ela revela de dom, de
possibilidade de existência, de felicidade, de alegria, de criação, de
potência.
É certo que vivemos em um período de
falsa rigidez, de uma rigidez disfarçada, no que consiste na quebra de
paradigmas, de verdade científica e autoridades dogmáticas, fruto, mesmo que em
controvérsias do Iluminismo, Idealismo e Romantismo Alemão. Porém, essas
denúncias das autoridades, das verdades, dos paradigmas, nos puseram diante do nada, ao qual todos ficamos angustiados
e tememos sua face sem face. Essa angústia diante do nada nos remete à criação
de raízes, identificações, tentativas de apego a algo que nos dê uma sensação
de conforto e segurança, que nos dê uma direção para além de nós mesmos.
Giddens (2002) nos indica essa
tentativa de criação de esperança diante da falta de segurança ontológica e da ansiedade
existencial maximizada nas nossas sociedades modernas, cujo nós mesmos criamos
e esquecemos. Inúmeras outras leituras poderiam ser feitas nesse sentido, como
Kierkigaard, Nietzsche, Sartre, Beauvoir e Freud, que nos indicam a potência
humana diante do nada e o esquecimento de si nas suas próprias criações. A
maioria dos homens (e mulheres) parece querer esquecer que a responsabilidade
por suas vidas é de suma característica individual, pelo menos do ponto de
partida espiritual.
O que estou querendo afirmar, junto
com os autores do texto “Seria trágico... se não fosse cômico: humor e
psicanálise”, é que as pessoas esqueceram-se da dimensão mais “essencial” de
suas vidas e de si próprias como direcionadoras de suas vidas, no que consiste
no reconhecimento de suas responsabilidades diante de suas finitudes e do dado. Se somos “jogados” no mundo quando
nascemos, quando crescemos, ou quando nos tornamos adultos, não é totalmente
sem um suporte anterior nem que diga respeito aos outros, mas, se somos “jogados”,
então estão nos dando a oportunidade de nos fazer, como queremos, como
desejamos, ou pelo menos deveríamos querer ou desejar.
Com isso, questiono-me se estamos
mesmo vivendo em uma sociedade menos rígida, ou se a “falsa rigidez” a qual
afirmei antes, não seria apenas uma ilusão criada pelas máquinas repressivas,
sejam elas estatais, corporativas ou de classe. (as classes, as corporações, o estado, podem controlar, regular ou
limitar o humor?). Com tudo isso que foi dito e com os exemplos dos três humoristas
que citei, fico com outras questões: existe
um limite para o humor?, existe um humor que seja verdadeiro, autêntico,
válido, e um humor (no caso não-humor), que seja falso, não verdadeiro?, o que
é o humor?
Os autores, na Apresentação, nos
dizem que a Piada e o Humor são manifestações do Witz. Sendo o Witz, o
termo alemão para identificar o que “francêsmente” chamamos de espírito, que qualificamos
com espirituoso.[1] No
decorrer da Apresentação, eles vão tentando nos dar identificações do que seja
o Witz e o Humor em uma visão
freudiana, pouco estudada pelos psicanalistas, mas segundo os autores de suma
importância, para Freud e para a Psicanálise. Abaixo vejamos algumas citações
sobre o assunto:
Ainda que considerado, pelo próprio Freud, um dom precioso e raro, o
humor foi justamente a dádiva desprezada ao longo do processo de
institucionalização da psicanálise. (Slavutzky e Kupermann, 2005, p. 7)
Se o humor é, como queria Freud, teimoso e rebelde, servindo assim para
ampliar os horizontes do campo psicanalítico, isso não implica que seja
arrogante. Ao contrário, é uma modalidade de percepção ativa que capacita o
sujeito a rir não apenas do outro, mas também, e sobretudo, de si mesmo,
gerando potência e alegria onde se esperava apenas dor. Seria trágico... se não
fosse cômico. Pode-se ainda defini-lo como a habilidade de se aceitar que toda
verdade é parcial, que o ser humano é insuficiente e que é onde a vida aparenta
imperfeição que vale entoar uma boa gargalhada. (Slavutzky e Kupermann, 2005,
p. 8)
O humor afirma a liberdade do pensamento, não tendo propriedade para
valorizar ou reino a defender. (Slavutzky e Kupermann, 2005, p. 9)
Como disse anteriormente, o texto até então apresenta
apenas visões muito positivas sobre o humor, identificando nele um ótimo papel
social e individual. É identificado à ele o papel de afirmar a liberdade de
pensamento, sendo ele próprio a manifestação do espírito livre, criador e
autenticamente existencial. O humor revela as discrepâncias, o contradito, o
inaudito, o escondido, o metamorfoseado, o eufemisado. O humor afirma o
relativismo da verdade, o posicionamento de verdades, a finitude da existência
humana e ativa a potencialidade de vida. O humor entrega, revela, desvela,
denuncia, ele é rebelde, teimoso, crítico, cria alegria onde se esperava apenas
dor.
Percebo que os autores também ligam o papel do humor ao
papel da maiêutica socrática, embora em Sócrates a verdade viria à luz através
do exercício lógico-analítico, puramente racional, logocêntrico, enquanto que o
humor freudiano teria mais o que a tradição heideggeriana chamaria de
logopático, ao qual traz esclarecidamente influências do poeta romântico alemão
Heinrich Heine, porém com o mesmo papel de identificação com “aquilo que é mais
verdadeiro”, em contraposição denunciativa da “verdade racional-científica” da
tradição iluminista.
Vivemos em um mundo complexo onde as contradições estão
expostas, ao mesmo tempo que escondidas. Mundo complexo onde muitos tem muitas
informações, ao mesmo tempo que não sabemos a natureza dessas informações (se
não são deformações). Estamos no futuro imaginado de nossos pais, porém sem os
carros voadores e os robôs domésticos. Estamos no lugar que não possui mais a certeza como certeza. O que nos resta?
A piada, segundo os autores, não é uma ofensa pois o
humorista, no momento que conta uma piada, “ousa ri de si mesmo”, de sua
condição de ser finito, “jogado”, sem pai, “órfão”. A piada desconstrói a
naturalização e descobre as “facetas originais e inesperadas da nossa experiência
de viver” (p. 10). Dizem os autores (2005, p. 12): “de posse do humor, somos
todos piratas a contrabandear sentidos inusitados para a construção de um
estilo de existência às margens da seriedade unilateral que nos é socialmente
imposta”. A piada é a ousadia do adolescente rebelde que vê na autoridade a
contradição de uma existência humana que tenta se impor como sobrehumana.
Poderíamos simplesmente desculpar os humoristas, dizer
que eles estão colocando “suas crianças” ou “seus adolescentes” para fora e
deixar assim mesmo, parar de criticar suas performances, desresponsabiliza-los
por suas atitudes, falas e opiniões, porém, vivemos em um mundo profundamente
moralizante, como na tentativa de resgate da segurança e do conforto que falei
anteriormente. Os julgamentos morais, éticos, políticos e até estéticos, fazem
parte do universo do humor.
O jornalista carioca Mauricio Stycer, “blogueiro”, escreveu
em seu blog um artigo em maio de 2011 com o seguinte título: “Em defesa do
humor sem limites”. Neste artigo o jornalista procura argumentar que a piada,
inclusive as piadas de “humor negro”, faz parte da democracia, e poder conta-la
é um direito. No blog ele sugere um decálogo para o qual as pessoas deveriam
olhar e procurar segui-lo como um exercicio da democracia. Abaixo estão os dez
passos como encontra-se no blog:
Como reagir a uma piada incômoda, de
mau gosto, ofensiva?
1. Tapar os ouvidos.
2. Se a piada tiver sido dita no rádio ou na TV: mudar de estação ou
desligar o aparelho.
3. Dita no palco de um teatro: levantar da poltrona, sair e pedir o
dinheiro do ingresso de volta.
4. Lida num jornal, revista ou site: mudar de página.
5. Escrita num livro: não compre. Se já tiver comprado, devolva o livro.
6. Mandar uma carta ao veículo de comunicação que abrigou a piada
ofensiva, expondo os motivos do seu descontentamento e, se for o caso, ameaçar
nunca mais ouvir, ver ou ler quem abrigar piadas deste tipo.
7. Organizar um abaixo-assinado, de maneira a aferir quantas pessoas,
como você, se sentiram ofendidas pela piada ruim, e enviar ao veículo de
comunicação que deu abrigo a ela.
8. Repetir o procedimento dos pontos 6 e 7, mas dirigir suas reclamações
às empresas que patrocinam o humorista que te ofendeu e/ou o veículo de
comunicação que abriga as suas piadas.
9. Procurar um advogado ou o Ministério Público para avaliar se a piada
ruim constitui crime de algum tipo e, se for o caso, ingressar com uma ação
contra o autor da ofensa.
10. Batalhar junto aos seus representantes no Congresso para que eles
lutem para tipificar como crime o tipo de humor que te ofende. Se a sua
reclamação for socialmente majoritária, você tem chance de vê-la virar lei.[2]
O autor do artigo no blog me parece querer ser imparcial,
mesmo defedendo o direito do humorista de contar uma piada de “mau gosto”, ou
“humor negro”, pois para ele “querer estabelecer o que pode ou não ser dito,
quais temas podem ou não ser objeto de piadas, me parece antidemocrático”.
No artigo “Perder a vida, mas não a piada”, o autor,
Daniel Kupermann, resgata o pensamento de um biógrafo de Freud, Peter Gay, para
indicar o próprio humor de Freud, como um sarcasmo que traz em si a ambiguidade
de “o humor parecer apontar tanto para uma extrema vitalidade quanto para uma
mortificação, em uma estranha oscilação entre vida e morte.” (p. 22). Sendo
essa “ambivalência”, nas palavras do autor, o próprio do “tragicômico”. Neste
sentido ele escreve:
(...) uma autêntica política do Witz:
a dimensão transgressora do recalcamento viabilizando novas possibilidades
identificatórias e sublimatórias, ou seja, novos modos de sociabilidade. Nesse
sentido, ao se transmitir um chiste ou um dito humorístico, busca-se
compartilhar a crítica social e a denúncia das hipocrisias que sobrevivem em
qualquer grupamento, bem como a evidência da farsa embutida na tentativa de se
eternizar toda e qualquer idealização (...). Porém, a ação subversiva do Witz cobra o preço de um movimento de
desterritorialização, sempre angustiante em certa medida. Trata-se, assim, no
exercício libertário promovido pelo espírito,
de uma experiência de angústia coincidente com a emergência de processos
criativos. (KUPERMANN, 2005, p. 24-25)
Para Freud, segundo Kupermann, o humor é o que há de mais
ousado, mais rebelde, direi até, redentor, pois poder rir daquilo que parece
trágico, mesmo como no exemplo do condenado a morte que no cadafalso faz uma
piada com sua saúde, é o que há de mais “essencial”, é o triunfo do espírito
sobre o destino. Aqueles que não entendem essas piadas, esse humor, são
“doentes” que não enxergam outras possibilidades e a criatividade, a
potencialidade de existência e vida ali colocado, são vítimas da imposição de
compreensão unidimensional da realidade, da seriedade de um mundo social que
visa a produtividade maquinariamente que maximixa as angústias e não deixa
saída visível.
Se o triunfo do espírito é uma saída para a vida
angustiante, no caso o riso, o humor, a piada, disso sabemos que não temos
resposta exata e que gerou diversas controvérsias e brigas durante a história
do ocidente, desde a Grécia Antiga. Porém, os autores querem deixar a entender
que sim, o triunfo do espírito, do humor, é uma saída para a angústia e a dor,
para as perturbações, é a redenção. Uma das melhores características dos
sujeitos é aprender a rir com a vida.
REFERÊNCIAS
Principal:
SLAVUTZSKY, Abrão e KUPERMANN, Daniel (org). Seria trágico…
se não fosse cômico: humor e psicanálise. Rio de Janeiro, Civilização brasileira, 2005.
Secundária:
GIDDENS, Anthony. Modernidade e Identidade. Tradução de
Plínio Dentzien. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2002.
Virtuais:
http://mauriciostycer.blogosfera.uol.com.br/2011/05/17/em-defesa-do-humor-sem-limites/
http://entretenimento.r7.com/famosos-e-tv/noticias/rafinha-bastos-faz-piada-de-mau-gosto-sobre-estupro-20110508.html
http://www.record.com.br/autor_entrevista.asp?id_autor=4598&id_entrevista=175
[1] O Minidicionário Sacconi de Língua Portuguesa nos dá
como definição de espirituoso: “adj. 1. Que contém muito álcool. 2. Engraçado.
3. Engenhoso.” O dicionário online de português nos dá como definição de
espirituoso: “adj. Característica do que ou de quem é engraçado; que faz graça
de modo inteligente; vivaz, alegre: ditos espirituosos. Que representa ou
demonstra inteligência; culto; frase espirituosa; argumento ou cometário espirituoso.
Que possui álcool; alcoólico: licor espirituoso.”
[2] Para ver o artigo completo, cf:
http://mauriciostycer.blogosfera.uol.com.br/2011/05/17/em-defesa-do-humor-sem-limites/.
Data de acesso: 16 de julho de 2013.
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