terça-feira, 16 de junho de 2009

Quanto tempo tem o tempo? A idéia agostiniana do tempo a partir da consciência de si


Marco Antonio Separavich[1]

A curiosidade do homem com o tempo é tão antiga que se perde em tempos imemoriais da história da humanidade.
Do deus grego Cronos, senhor que governa o tempo, às múltiplas dimensões temporais apresentadas pela física quântica contemporânea, o tempo e a idéia que dele fazemos sempre esteve presente na vida humana, ora os homens fazendo dele um aliado, ora um algoz.
Hoje a internet nos traz o que acontece no mundo em tempo real, e mesmo sem se questionar acerca da realidade do tempo na virtualidade cibernética, tem-se a impressão de que o factual se escoa com os minutos, que o tempo, enfim, não pára, aliás, mais do que nunca percebe-se a sua aceleração.
Ao pensar no conceito de tempo na História da Filosofia, não se pode deixar de mencionar Agostinho de Hipona, o santo, como o primeiro pensador a relacionar a realidade exterior à interioridade humana, concebendo o tempo como dimensão vivida. Mas, o que é o tempo? Pergunta Agostinho em suas Confissões (11, 14, 17).
A pergunta agostiniana parte da premissa da distinção entre a eternidade e o tempo, entre o Eterno, sempre igual a si mesmo, e o temporal, sujeito à necessidade e à contingência.
Agostinho associa a idéia do tempo à memória, tal como faz a tradição filosófica de sua época.
Já em Confissões (10, 8, 12-14), ele havia definido a memória como “um vasto palácio [em que] está escondido tudo o que pensamos ...”, mas também tudo o que traz os sentidos, as sensações e os sentimentos vividos. Apesar de dizer nesta obra que a memória “lembra-se de lembrar”, é em De Trinitate (14, 7, 9) que define de forma minuciosa a memória de si, concebendo-a como presença e não consciência que a mens traz de si mesma.
Pode-se inferir, a partir das observações que nos dá Agostinho, que o tempo passa a ter sentido a partir da consciência de si (verbo), pois, se na memória a dimensão temporal existe de forma difusa, os tempos presente, passado e futuro são assim significados quando o verbo os identifica como tais. Essa identificação se dá pelo movimento da mens de se reconhecer como instância que se lembra, que se pensa e que se ama. A noção do tempo, portanto, encontra-se intimamente ligada à consciência de si.
Essa é a condição sine qua non para o processo do conhecimento, porque tal como concebido pelos platônicos e neoplatônicos, Agostinho atribui ao autoconhecimento o princípio do conhecimento.
A idéia do tempo, então, pode ser dimensionada dentro do suceder de instantes presentes, com a mens se distendendo e reconhecendo-se a si mesma; logo em seguida, no entanto, a memória guarda o presente vivido da mens em seu interior, e esse passa a ser lembrança.
É nesse átimo de tempo que se pode vislumbrar temporalmente, de forma tímida e imperfeita, o que seja a eternidade, nesse “eterno presente”, ou melhor, como diz Agostinho,

“é impróprio afirmar que os tempos são três: passado, presente e futuro. Mas talvez fosse próprio dizer: os tempos são três: o presente das coisas passadas (...), o presente das presentes (...) e o presente das futuras (...). Existem, pois, três tempos na minha mente que não vejo em outra parte: lembrança presente das coisas passadas, visão presente das coisas presentes e esperança presente das coisas futuras”(Confissões, 11, 20, 26).

Encontramos aqui o entendimento agostiniano trinitário do tempo como lembrança, visão e esperança.
A lembrança diz respeito à memória; a visão (exterior e interior) refere-se à inteligência; a esperança evoca caritas e a fé naquilo que, por ora, está oculto ao intelecto.
Tanto na lembrança, na visão como na esperança, o olhar da alma está iluminado pela luz do pensamento, o que significa dizer que a partir do cogitatio a consciência empreende os processos de cognição do tempo, tornando presente o passado vivido, e projetando o futuro no presente a ser vivido.
Embora Agostinho apresente a memória aprioristicamente, e mesmo estando presente a idéia de tempo na memória, tal idéia não é uma categoria imediata apresentada à consciência, mas é mediada pelo cogitatio. Essa é uma das razões pela qual a noção de tempo deve ser entendida social e culturalmente, pois, por ser mediada, ela se abre para as diferentes interpretações sociais e culturais que os homens dão ao tempo na história.
A noção de tempo partindo da consciência de si agostiniana é fluída, porque nada há de concreto que marque o próprio tempo, a não ser o relógio, e a codificação das horas que, em última análise, implica no cogitatio, pressupondo a consciência de si. Em outras palavras, o tempo dimensionado pela mens é o tempo vivido pelo eu.
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Notas:
[1] Cientista Social e Pós-Graduando pela Universidade Estadual de Campinas.

Referências:
AGOSTINHO, Confissões , Coleção Os Pensadores, São Paulo, Abril Cultural, 1973.
AGOSTINHO, A Trindade, São Paulo, Paulus, 2001.
NORBERT ELIAS, Sobre o tempo, Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1998.

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