O senhor... Mire veja: o mais importante e bonito, do
mundo, é isto: que as pessoas não
estão sempre iguais, ainda não foram terminadas – mais que elas vão sempre
mudando. Afinam e desafinam. Verdade maior. É o que a vida me ensinou. Isso me
alegra de montão.
Guimarães Rosa[2]
Partindo do prefácio, Judith Butler (2011) nos traz questões que foram seminais
para a elaboração do livro, nos incitando a pensar que “problemas são
inevitáveis e nossa incumbência é descobrir a melhor maneira de cria-los, a
melhor maneira de tê-los” (p. 7). Não é a toa que o livro chama-se “Problemas
de Gênero” e tem como subtítulo “Feminismo e subversão da identidade”.
Para Butler, as noções de gênero, sexo e identidade são problemáticas que devem
ser investigadas ao modo da “genealogia”. Ela afirma: “A crítica genealógica
(...) investiga as apostas políticas, designando como origem e causa categorias
de identidade que, na verdade, são efeitos de instituições, práticas e
discursos cujos pontos de origem são múltiplos e difusos. A tarefa dessa
investigação é centrar-se – e descentrar-se – nessas instituições definidoras:
o falocentrismo e a heterossexualidade compulsória[3]”.
Duas das questões de Butler apresentadas no prefácio são: “que formas de
políticas surgem quando a noção de identidade como base comum já não restringe
o discurso sobre políticas feministas? E até que ponto o esforço para localizar
uma identidade comum como fundamento para uma política feminista impede uma
investigação radical sobre as construções e normas políticas da própria
identidade?” (p. 9-10).
Butler questiona o feminismo dado como o movimento de mulheres brancas de
classe média, dando abertura para a possibilidade de se pensar políticas ditas
feministas para além da margem dessa identificação: mulher-branca–classe média.
Butler abre aqui o questionamento sobre a própria necessidade de identificação a
priori,para se lutar por melhorias na vida, para além da repressão e
disciplinamento da vida regrada e necrófila[4]. (Liberdade estaria sobretudo fora das
margens, nas possibilidades não-ditas e não catalogáveis até então? – lembrando
que o gênero é um estar sendo[5]).
A autora afirma também que seu texto possui muito mais fontes do que as que
apresenta e que seu objetivo no livro é: “de maneira geral, observar como as
fábulas de gênero estabelecem e fazem circular sua denominação errônea de fatos
naturais[6]” (p. 12).
O Capítulo 1: “Sujeito do sexo/gênero/desejo”, se divide em seis tópicos: “1.
“’Mulheres’ como sujeito do feminismo; 2. A ordem compulsória do
sexo/gênero/desejo; 3. Gênero: as ruinas circulares do debate contemporâneo; 4.
Teorizando o binário, o unitário e além; 5. Identidade, sexo e a metafísica da
substância; 6. Linguagem, poder e estratégias de deslocamento”.
No capítulo 1, a autora,
através de sua “genealogia crítica”, questiona a própria noção de categoria das
“mulheres” como sujeito político do feminismo, nos dando com isso
possibilidades de pensar o feminismo como movimento politico que não exige um
sujeito pautado em parâmetros prefigurados, como até então se pensava.
(sobretudo um sujeito único e universal ligado às mulheres). Butler nos diz
que: “a tarefa é justamente formular, no interior dessa estrutura constituída
[jurídicas da linguagem e da política], uma crítica às categorias de identidade
que as estruturas jurídicas contemporâneas engrandecem, naturalizam e
imobilizam”, como as categorias de homem e mulher. (p. 22). Portanto, não se
deve presumir, nem mesmo o feminismo, os sujeitos, ou identidades, homem ou
mulher (“mulheres”).
Referências
BUTLER,
Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade.
Tradução de Renato Aguiar. 5ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2013.
[1] Resumo elaborado por Bruno Duarte,
Fernando Duarte, Indira Guedes, Jana Lisboa, Marcelle Silva e Renan da Ponte.
[3] O termo “falocentrismo” foi cunhado
pro Freud para significar o poder do gênero masculino sobre o gênero feminino,
e desenvolvido por Lacan para significar a construção das categorias sexuais
por meio da linguagem. (Irigaray, 1978). Já o termo “heterossexualidade
compulsória” foi apontado primeiramente por Adrienne Rich (1970) que faz asserções
acerca dos mecanismos de dominação e de violência, sobretudo, contra as
mulheres, para a manutenção da heterossexualidade obrigatória.
[4] O termo necrófila aqui utilizado tem
origem em Fromm, no seu livro A Arte de Amar, e mais especificamente empregada no O Coração do Homem (1981), nos quais o autor quer deixar
claro como não pode haver verdadeira libertação sem um real e profundo
sentimento de amor pelos homens, sendo esse “sentimento de amor”, uma tentativa
de construção do ser em comunhão, livre, da sociedade, não mais opressora e que
para isso, é preciso uma atitude biófila, de amor a vida, a si, a existência,
ao outro, em detrimento da necrofilia, que traz a vontade de destruição, ligado
à morte, a repressão e falta de responsabilidade para com o outro.
[5] Butler deixa claro no final do
capítulo 1 que “O gênero é a estilização repetida do corpo, um conjunto de atos
repetidos no interior de uma estrutura reguladora altamente rígida”, ou seja,
ser de um “determinado” gênero, é uma indicação de práticas performáticas que
se constroem e se perpetuam nas repetições dosperformers.
[6] No que diz respeito às “fábulas”,
estas podem ser pensadas como "ficções de gênero", construções
socioculturais que ganham legitimidade e amplitude dentro de determinado
contexto (também sociocultural) que atrelam o gênero à natureza. Ou seja,
tornam "natural" aquilo que é arbitrário.